O Supremo Tribunal Federal firmou tese de repercussão geral no julgamento do RE 574.706, entendendo que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins” (tema 069), em decisão publicada em 02 de outubro de 2017.
Isso porque o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) têm incidência sobre a receita bruta das empresas. Ao julgar o Recurso Especial, o STF entendeu que o valor pago de ICMS pelas empresas é ônus fiscal ao qual está sujeita e não compõe seu faturamento, que representa estritamente o valor apurado pelas empresas com a venda dos produtos e prestação de serviços.
Na prática, além de determinar a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins a serem pagos, a decisão do STF também permite o requerimento de restituição dos valores indevidamente pagos, pelo período de cinco anos (considerando o prazo prescricional de cobrança de crédito tributário).
A decisão ganha relevância por se dar em Repercussão Geral, de modo a orientar a jurisprudência das demais instâncias da Justiça. Até a publicação da decisão, havia cerca de 10.000 (dez mil) processos suspensos aguardando o entendimento do STF sobre o tema, segundo dados da Corte.
O pedido de restituição já é cabível enquanto não é julgado o pedido de modulação de efeitos, requerido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Embargos de Declaração.
A modulação de efeitos é uma medida excepcional adotada em caso de alteração de jurisprudência dominante do STF, como uma maneira a proteger o interesse social e a segurança jurídica.
Assim, apesar de a análise majoritária ser a de que a modulação de efeitos será indeferida – vez que a medida se aplica apenas se comprovado risco irreversível à segurança jurídica ou de excepcional interesse social –, é possível que o Supremo Tribunal Federal entenda que a decisão apenas produzirá efeitos futuros, a partir de sua publicação ou de determinado momento em prospectiva. Nesse caso, apenas os contribuintes que ingressarem com ação judicial requerendo a restituição antes da data do julgamento final poderão ter direito aos créditos tributários.
Também, o julgamento não alterou a legislação ordinária, e mesmo com a decisão proferida com repercussão geral pode ser necessário ingressar com ação judicial para deixar de recolher o PIS e a Cofins sobre a parcela do ICMS componente do preço final da mercadoria, caso o Fisco não se adeque à resolução.
De qualquer modo, a decisão representa um marco importante para a compreensão de nosso sistema tributário e para a prática empresarial – que agora também vê a possibilidade de restituições vultuosas das contribuições julgadas indevidas.
O sistema tributário brasileiro
A decisão do Supremo Tribunal Federal também evidencia a necessidade de reforma de nosso sistema tributário, ao discutir a cumulatividade de tributos.
Isso porque em diversas situações são cobrados mais de um imposto e contribuição sobre a mesma base, com incidência de um tributo sobre o outro ou, no caso do ICMS, também há casos em que o imposto é cobrado sobre ele mesmo (a chamada alíquota por dentro).
Esta é uma peculiaridade do sistema tributário brasileiro, que prevê a incidência de tributos em diversas etapas da cadeia produtiva, em recolhimentos sucessivos que levam à cobrança de imposto sobre valores em que já há incidência de impostos.
Por exemplo, uma mercadoria que sofre algum processo de transformação ou de beneficiamento por uma indústria sofre a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Sempre que o produto for vendido diretamente ao consumidor final, o valor do IPI também fará parte da base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – se o produto for vendido entre indústrias, contudo, o ICMS será calculado sem o valor do IPI.
O caso mais emblemático da tributação em cascata é, certamente, o do ICMS, que incide sobre diversas etapas de um processo produtivo/comercial. Assim, ao adquirir o produto final, o consumidor geralmente arca com o ICMS que foi cobrado, em muitos casos, da indústria e da loja, vez que este tributo sempre agrega ao preço final, e é pago pelo último comprador da mercadoria. O ICMS também é cobrado de diversos outros bens e serviços que podem interferir na produção, como a energia e o combustível.
O PIS e a Cofins são contribuições sociais com funções importantes, sendo que a Cofins financia a seguridade social e o PIS financia o pagamento do abono salarial e do seguro-desemprego.
Estas contribuições incidem sobre a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, sob diferentes regimes (cumulativo, não-cumulativo, diferenciado e de importações) e por isso estão presentes em quase todos os segmentos da cadeia produtiva brasileira e representam parcela expressiva da arrecadação da União.
Estes fatores demonstram a relevância do entendimento do STF, que robustece a discussão de reforma de nosso sistema tributário – há também outros tributos que compõem a base de cálculo do PIS e da Cofins, para além da problemática de nosso sistema de tributação em cascata – e gera oportunidades às empresas, que devem determinar a aplicação do entendimento no cálculo do PIS e da Cofins e, ainda, pleitear a restituição dos valores reconhecidamente indevidos.