Uma lei sancionada em 11 de janeiro de 2018 agitou noticiários e a comunidade jurídica, com a possibilidade de a União bloquear bens de seus devedores sem a necessidade de autorização judicial.
A previsão se inscreve na chamada “Lei do Funrural” (Lei nº 13.606/2018), que institui o Programa de Regularização Tributária Rural, possibilitando o parcelamento de débitos de produtores rurais em até 15 anos, além de diminuir sua alíquota de contribuição e alterar legislações complementares para alterar regras para a cobrança de débitos inscritos em dívida ativa da União.
Mas afinal, o que é o “Funrural”, de que trata a Lei nº 13.606/18?
O Funrural representa a contribuição previdenciária a cargo do empregador rural, como definido no art. 25 da Lei nº 8.212/91, e é devida por uma alíquota (porcentagem) incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção.
Ou seja, nos casos de trabalhadores rurais, a contribuição previdenciária a cargo do empregador, via de regra, é devida com a comercialização da produção.
Tais contribuições surgiram com o fim de compor um fundo para subsidiar o pagamento de benefícios assistenciais aos trabalhadores rurais. A partir da Constituição Federal de 1988, contudo, esses valores passam a compor o regime geral da Previdência, e financiam o pagamento dos benefícios previdenciários e aposentadorias de todos os segurados – trabalhadores rurais ou não.
A cobrança chegou a ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em decisões de 2010 e 2011, por reconhecer a bitributação do empresário rural, que pagava a contribuição sobre a folha de salários e sobre a comercialização da produção.
Contudo, diante de recentes alterações à legislação previdenciária, em março de 2017 o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do Funrural, criando o debate sobre todo o passivo acumulado desde 2011, quando a cobrança foi suspensa.
Diante deste impasse é que se institui o Programa de Regularização Tributária Rural, com a Lei nº 13.606/18, que compreende todos os débitos das contribuições previdenciárias do Funrural – a cargo do empregador rural – vencidos até 30 de agosto de 2017, mesmo que estejam em discussão administrativa ou judicial.
A Lei nº 13.606/18 incorporou dispositivos da Medida Provisória nº 793/17, de 31 de julho de 2017, que perdeu vigência em 28 de novembro de 2017.
Também, uma resolução do Senado Federal impede a cobrança retroativa do Funrural, diante da insegurança deste cálculo e da cobrança empreendida neste período.
As condições para a regularização dos valores em atraso são vantajosas: deve-se efetivar o pagamento de, no mínimo, 2,5% da dívida em até duas parcelas iguais e sucessivas, com o parcelamento do débito remanescente em até 176 prestações mensais e sucessivas, de valores não inferiores a R$ 100,00. Para estes fins, a adesão ao Programa ainda apresenta o benefício da redução de 100% dos juros de mora incidentes sobre o débito.
Não é necessário prestar qualquer garantia para obter o parcelamento junto à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
O interessado deve requerer a adesão ao Programa de Regularização Tributária Rural até 30 de abril de 2018.
Além de instituir as condições para a regularização tributária, a Lei nº 13.606/18 também reduz as alíquotas da contribuição previdenciária do Funrural: com isso, a responsabilidade dos empregadores rurais pessoas físicas passa de 2% para 1,2% da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção.
Também, a partir de janeiro de 2019, se abre a opção aos empregadores para que a contribuição previdenciária incida sobre a folha de salários, em vez da tradicional incidência com a comercialização da produção. Caso se opte por este modo de pagamento, não é possível se retratar por todo o ano-calendário.
A possibilidade de bloqueio de bens sem processo judicial
Além de prever condições para a regularização tributária concernente ao Funrural, a Lei nº 13.606/18 apresenta novidades incidentes sobre todos os débitos tributários inscritos na dívida ativa da União, e não apenas os débitos tributários rurais.
Deste modo, por alteração à Lei nº 10.522/2002, (arts. 20-B e 20-C), a União passa a dispor de novo mecanismo para buscar o adimplemento de seus ativos: inscrito o crédito na dívida ativa, o devedor será notificado para pagar o valor em cinco dias; passado este prazo, a Fazenda Pública poderá comunicar a inscrição da dívida ativa a serviços de proteção ao crédito e, ainda, indisponibilizar bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, com a averbação da certidão de dívida ativa.
Antes, para garantir o pagamento dos débitos, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) podia protestar a certidão da dívida ativa ou requerer o bloqueio de valores e bens por meio de processo judicial – esta medida, contudo, apenas poderia se efetivar com autorização judicial.
Com esta alteração, ainda não é possível o bloqueio de valores diretamente pela PGFN: a pesquisa em instituições financeiras e o respectivo bloqueio, por meio do sistema “Bacenjud”, apenas é possível com autorização judicial.
A novidade legislativa, chamada de “averbação pré-executória”, autoriza que a PGFN bloqueie veículos e imóveis, por meio de sistema eletrônico e sem a necessidade de autorização judicial. Também, a PGFN pode condicionar o ajuizamento de execuções fiscais à verificação de indícios de bens úteis à satisfação do débito.
Por um lado, a medida proporciona celeridade e economia processual na recuperação de créditos da União inscritos em dívida ativa.
Contudo, é evidente a insegurança imposta pela medida, que dispensa qualquer procedimento judicial e não apresenta qualquer oportunidade de ampla defesa pelo devedor.
A Lei nº 13.606/18 também não ressalta qualquer critério, requisito ou condição para a efetivação da medida, que se coloca como uma faculdade da PGFN. Evidentemente, a implementação da “averbação pré-executória” demanda a edição de uma norma regulamentadora, com expectativa para que ocorra em 90 dias.
Ainda que regulamentada, a possibilidade de bloqueio de bens sem autorização judicial deve enfrentar, ainda, numerosas discussões judiciais quanto à sua constitucionalidade e pertinência jurídica, e não deve nos alarmar por ora.